31 de outubro de 2012

A fábula do porcos assados - Ano 1976 ou 2012?

Fonte: o texto foi tirado do site:http://www.robertodiasduarte.com.br
mas Artigo originalmente publicado em Juicio a La Escuela Cirigliano, Forcade Tllich – Editorial Humanitas – Buenos Aires, 1976. Traduzido por Gualazzil – Professor Assistente da Academia de Força Aérea. Readaptado na UFRN por José Arimatés de Oliveira.

Se comparado com as leituras que fazemos online, o texto é grande. Mas apesar de ter sido escrito no ano de 1976, é atualíssimo e de uma gostosa e até bem humorada leitura.

Quem ler dificilmente se arrependerá...

Certa vez, aconteceu um incêndio num bosque onde se encontravam alguns porcos. Estes foram assados pelo incêndio. Os homens, acostumados a comer carne crua, experimentaram carne de porco assada e acharam deliciosa. Logo, toda vez que queriam comer porco assado, incendiavam um bosque, até que descobriram um novo método.

Mas o que se deseja contar é o que aconteceu quando tentaram mudar o sistema para implantar um novo. Fazia tempo que algumas coisas não iam bem: às vezes os animais ficavam queimados ou parcialmente crus; outras, de tal maneira queimados, que era impossível utilizá-los. Como era um procedimento montado em grande escala, preocupava muito a todos, porque se o Sistema falhava, as perdas ocasionadas eram igualmente grandes. Milhões eram os que se alimentavam de carne assada e também muitos milhões eram os que se ocupavam desta tarefa. Portanto, o Sistema simplesmente não devia falhar. Mas, curiosamente, à medida que se fazia em maiores escalas, mais parecia falhar e maiores perdas parecia causar.

Em razão das deficiências, aumentavam-se as queixas. Já era um clamor geral a necessidade de reformar profundamente o Sistema. Tanto assim que todos os anos realizavam-se congressos, seminários, conferências e jornadas para achar a solução. Mas parece que não acertavam o melhoramento do mecanismo porque no ano seguinte repetiam-se os congressos, seminários, conferências e jornadas. E assim sempre.
As causas do fracasso do Sistema, segundo os especialistas, deviam-se atribuir ou à indisciplina dos porcos que não permaneciam onde deviam, ou à inconstante natureza do fogo, tão difícil de controlar; ou ainda às árvores excessivamente verdes; à umidade da terra, ao serviço de informações meteorológicas que não acertava o lugar, o momento e a qualidade de chuvas, ou …
As causas eram – como se vê – difíceis de determinar porque, na verdade, o Sistema para assar porcos era muito complexo. Fora montada uma grande estrutura, uma grande maquinaria com inúmeras variáveis fora institucionalizada. Haviam indivíduos dedicados a acender: os incendiadores que, ao mesmo tempo, eram especialistas de setores (incendiadores da Zona Norte, da Zona Oeste etc.), incendiador noturno, diurno com especialização matutina e vespertina, incendiador de verão, de inverno, com disputas jurídicas sobre o outono e a primavera). Havia especialistas em vento: os anemotécnicos. Havia um diretor geral de Assamento e Alimentação Assada, um Diretor de Técnicas Ígneas (com seu Conselho Geral de Assessores), um Administrador Geral de Florestamento Incendiável, uma comissão Nacional de Treinamento Profissional em Porcologia, um Instituto Superior de Cultura e Técnicas Alimentícias (ISCUTA) e o BODRIO (Bureau Orientador de Reformas Ígneo-Operativas).
O BODRIO era tão grande que tinha Inspetor de Reformas para cada 7.000 porcos aproximadamente. E era precisamente o BODRIO que promovia anualmente os congressos, seminários, conferências e as jornadas. Mas isto só parecia servir para incrementar o BODRIO em burocracia.
Tinha-se projetado, e encontrava-se em pleno crescimento, a formação de novos bosques e selvas, seguindo as últimas indicações técnicas (em regiões escolhidas segundo determinada orientação, onde os ventos não sopravam mais do que três horas seguidas, onde era reduzida a porcentagem da umidade).
Havia milhões de pessoas trabalhando na preparação dos bosques que logo teriam que ser incendiados. Havia especialistas, na Europa e nos Estados Unidos, estudando a importação das melhores madeiras, árvores, sementes, produtoras de melhores e mais potentes incêndios; estudavam também idéias operativas (por exemplo, como fazer buracos para que neles caíssem os porcos). Havia ainda grandes instalações para se manter os porcos antes do incêndio, mecanismos para deixá-los sair no momento oportuno, técnicos em sua alimentação etc.
Havia construções de estábulos para porcos, professores formadores de especialistas na construção de estábulos para porcos, universidades que preparavam os professores formadores dos especialistas na construção de estábulos para porcos, investigadores que forneciam o fruto de seu trabalho às Universidades que preparavam os professores formadores dos especialistas na construção de estábulos para porcos; fundações que apoiavam os investigadores que davam o fruto do seu trabalho às universidades que preparavam os professores formadores dos especialistas na construção de estábulos para porcos etc.
As soluções que os congressos sugeriam eram, por exemplo, aplicar triangularmente o fogo levando em consideração a velocidade do Vento Sul, soltar os porcos 15 minutos antes que o fogo pró-médio da floresta alcançasse 47º; outros diziam que era necessário colocar grandes ventiladores que serviriam para orientar a direção do fogo, e assim por diante. E não é preciso dizer que eram poucos os especialistas que estavam de acordo entre si e que cada um tinha investigações e dados para provar suas próprias afirmações.
Um dia, um Incendiador Categoria SO/DMVCH (isto é, Acendedor de Bosques Especialista Sudoeste, Diurno, Matutino, com Licenciatura em Verão Chuvoso), chamado João Sen Tido Comum, falou que o problema era muito fácil de resolver. Segundo ele, tudo consistia, primeiramente, em se manter o porco escolhido, limpo e adequadamente cortado, colocando-o, posteriormente, numa jaula ou armação metálica sobre brasas, até que o efeito do calor, e não das chamas, o assasse ao ponto.
Ciente, o Diretor Geral do Assamento mandou chamá-lo e perguntou que coisas esquisitas andava falando por ali e, depois de ouvi-lo, disse-lhe:
- O que o senhor fala está bem, mas somente na teoria. Não vai dar certo na prática. Pior ainda, é impraticável. Vamos ver: o que o senhor faria com os anemotécnicos, no momento de se adaptar o que sugere?
- Não sei – respondeu João.
- Aonde vai por os acendedores das diversas especialidades?
- Não sei!
- E os especialistas em sementes, em madeiras? E os desenhistas de estábulos de sete andares, com suas máquinas limpadoras e perfumadoras automáticas?
- Não sei!
- E os indivíduos que foram ao estrangeiro para se especializar durante anos e cuja formação custou tanto ao País? Vou pô-los para limpar porquinhos?
- Não sei!
- E os que têm se especializado todos esses anos em participar de congressos e jornadas para a Reforma e Melhoramento do Sistema? Se o que você fala resolve tudo, que faço com eles?
- Não sei!
- O senhor percebe agora que a sua solução não é a de que nós todos necessitamos? O senhor acredita que se tudo fosse tão simples, os nossos especialistas não teriam achado a solução antes? Veja só! Que autores falam isso? Que autoridade pode avaliar sua sugestão? O senhor por certo imagina que eu não posso dizer aos engenheiros em Anemotécnica que é questão de por brasinhas sem chamas! O que eu faço com os bosques já preparados, ao ponto de serem queimados, que somente possuem madeira apta para o fogo-em-conjunto, cujas árvores não produzem frutos, cuja falta de folhas faz com que não prestem para dar sombra? O que faço? Diga-me.
- Não sei!
- O que faço com a Comissão Redatora de Programas Assados, com seus Departamentos de Classificação e Seleção de Porcos, com a Arquitetura Funcional de Estábulos, Estatística, População etc.?
- Não sei!
- Diga-me. O engenheiro em Porcopirotecnia, o Sr. J. C. da Figuração, não é uma extraordinária personalidade científica?
- Sim, parece que sim.
- Bem, o simples fato de possuir valiosos e extraordinários engenheiros em Porcopirotecnia indica que o Sistema é bom. E que faço com indivíduos tão valiosos?
- Não sei!
- Viu? O senhor tem que trazer solução para certos problemas. Por exemplo, como fazer melhores anemotécnicos, como conseguir mais rapidamente acendedores do Oeste (que é a nossa maior dificuldade!), como fazer estábulos de oito andares ou mais em lugar de somente sete, como até agora. Tem que melhorar o que temos e não mudá-lo. Traga-me uma proposta para que nossos bolsistas na Europa custem menos ou mostre-me como fazer uma boa revista para a análise profunda do problema da Reforma do Assamento. Isto é o que necessitamos. Isto é o que o país necessita. Ao senhor falta sensatez, sentido comum! Diga-me, por exemplo, o que faço com o meu bom amigo (e parente), o Presidente da comissão para o Estudo de Aproveitamento Integral dos Resíduos dos ex-bosques?
- Realmente, eu estou perplexo!, Falou João.
- Bem, agora que conhece bem o problema, não diga por aí que o senhor conserta tudo. Agora, o senhor vê que o problema é mais sério e não tão simples como o senhor imaginava. Tanto os de baixo como os de fora dizem: “Eu conserto tudo”. Mas tem que estar dentro para conhecer os problemas e saber as dificuldades. Agora, entre nós, recomendo-lhe que não insista com a sua idéia, porque isso poderia trazer problemas para o senhor no seu cargo. Não por mim! Eu falo para o seu próprio bem, porque eu o compreendo, ou entendo o seu posicionamento, mas o senhor sabe que pode encontrar outro superior menos compreensivo. O senhor sabe como são, às vezes, não é?
João Sen Tido Comum, coitado, não falou um “A”. Sem despedir-se, meio assustado e meio atordoado com a sensação de estar caminhando de cabeça para baixo, saiu e nunca mais ninguém o viu. Não se sabe para onde foi. Por isto é que falam que nestas tarefas de reforma e de melhoria do Sistema falta o sentido comum.
Artigo originalmente publicado em Juicio a La Escuela Cirigliano, Forcade Tllich – Editorial Humanitas – Buenos Aires, 1976. Traduzido por Gualazzil – Professor Assistente da Academia de Força Aérea. Readaptado na UFRN por José Arimatés de Oliveira.

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